Por Dirceu Cardoso Amorelli Junior: METODOLOGIA DE CÁLCULO DO CUSTO MÉDIO PONDERADO DE CAPITAL APLICÁVEL À ATIVIDADE DE TRANSPORTE DE GÁS NATURAL NO BRASIL

Dirceu Cardoso Amorelli Junior
7 min readAug 9, 2023

METODOLOGIA DE CÁLCULO DO CUSTO MÉDIO PONDERADO DE CAPITAL APLICÁVEL À ATIVIDADE DE TRANSPORTE DE GÁS NATURAL NO BRASIL

I — CONTEXTUALIZAÇÃO

No mês de junho de 2001, em meio a uma crise de suprimento de energia elétrica, observou-se a expectativa de um aumento significativo da demanda por gás natural para fins de geração térmica, sendo necessária, para o seu atendimento, a expansão da capacidade de transporte de gás no País.

Neste contexto, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) publicou a Portaria ANP nº 98/2001, a qual determinou a realização de Concurso Aberto1 para a ampliação e oferta de capacidade pelas empresas transportadoras de gás natural, de modo a promover a ampliação da importação de gás boliviano em um ambiente competitivo entre os potenciais supridores.

A referida norma objetivava a compatibilização entre a necessidade de investimentos na expansão das instalações dutoviárias de transporte de gás e, conforme preconizado pela Lei nº 9.478/97, a promoção de competição no suprimento deste energético, mediante a garantia de condições justas e não discriminatórias de acesso à rede de transporte.

O Concurso Aberto, procedimento de leilão para a oferta e alocação de capacidade de transporte de gás, encetou-se, em seguida, pelas empresas Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A. (TBG) e Petrobras Transporte S.A. (TRANSPETRO), a partir da elaboração de um edital de realização do leilão, designado Manual do Concurso Aberto.

Não obstante, no início de 2002, em decorrência da inversão verificada no quadro de oferta e demanda de energia elétrica no Brasil, passou-se, rapidamente, de uma situação de potencial esgotamento da capacidade de transporte de gás existente a um panorama

1 A Portaria ANP nº 98/2001 deu, ao procedimento público de oferta e alocação de capacidade de transporte para Serviço de Transporte Firme, a denominação de Concurso Aberto. Com a revogação deste ato normativo, a Resolução ANP nº 27/2005 adotou para, tal procedimento, a designação de Concurso Público de Alocação de Capacidade (CPAC).

oposto, de expressiva ociosidade, acirrada pela antecipação da capacidade máxima prevista no projeto do Gasoduto Bolívia-Brasil (GASBOL) — 30,08 milhões m3/dia — de 2007 para 2004. Estas novas circunstâncias contribuíram significativamente para o adiamento da necessidade de expansão do referido duto e, portanto, de realização do Concurso Aberto.

No final de 2005, entretanto, após quatro anos da publicação da Portaria ANP nº 98/2001, configurou-se, no Brasil, um quadro de crescimento da demanda por gás natural, paralela ao déficit de oferta do energético, derivado, sobretudo, do iminente esgotamento da capacidade ociosa do GASBOL, bem como da existência de gargalos localizados na malha nacional de transporte de gás.

Interessante observar, neste contexto, que o consumo de gás natural no País vem apresentando taxas significativas de crescimento. O setor industrial, por exemplo, consumiu, no ano de 2005, cerca de 13% mais do que em 2004. Tal taxa de crescimento foi de, aproximadamente, 23% no mercado automotivo, 58% no comercial e 10% no segmento de geração.

À luz do exposto, fez-se premente a retomada da discussão em torno do empreendimento de ações efetivas para a expansão da capacidade de transporte de gás natural, visando ao suprimento do mercado brasileiro.

No que tange ao tema, cumpre, ainda, remeter à Resolução ANP nº 27, de 14 de outubro de 2005, a qual regulamenta o uso das instalações de transporte dutoviário de gás natural, mediante remuneração adequada ao Transportador e estabelece, no caput de seu artigo 7º, que “toda Capacidade Disponível de Transporte para a contratação de Serviço de Transporte Firme (STF) será ofertada e alocada segundo os procedimentos de Concurso Público de Alocação de Capacidade (CPAC)”.

Desta feita, após discussões com os agentes interessados na implementação do supracitado processo, a ANP encaminhou ofícios às transportadoras estabelecidas no País, sugerindo que estas avaliassem a possibilidade de apresentar, à Agência, o Regulamento do CPAC, nos termos do artigo 7º, § 2º, da Resolução ANP nº 27/2005.2

Em atendimento à mencionada solicitação, no dia 21 de dezembro de 2005, a TBG submeteu à apreciação da ANP uma minuta de Regulamento, que foi analisada tanto pela equipe técnica competente — Superintendência de Comercialização e Movimentação de Petróleo, seus Derivados e Gás Natural (SCM/ANP) –, como pela Procuradoria-Geral da autarquia (PRG/ANP).

2 O artigo 7º, § 2º da Resolução ANP nº 27/2005 dispõe que “o Transportador submeterá à aprovação da ANP, no prazo de 30 (trinta) dias anteriores à divulgação, o regulamento do CPAC, que detalhará os procedimentos de oferta e alocação de capacidade para STF”.

Aprovado, tal Regulamento foi publicado em 13 de março de 2006, iniciando-se, assim, o CPAC da TBG, composto pelas seguintes etapas:

(i) Chamado para recebimento de Manifestações de Interesse;

(ii) Recebimento das Manifestações de Interesse;

(iii) Elaboração do projeto;

(iv) Envio das Cartas Convite3 referentes à oferta de capacidade, após aprovação da ANP, e publicação do Edital;

(v) Recebimento e abertura das Propostas Irrevogáveis;

(vi) Qualificação das Propostas Irrevogáveis;

(vii) Divulgação pública do resultado; e

(viii) Assinatura dos Contratos de Transporte.

No âmbito do processo ora contemplado, é mister abordar a questão do cálculo do custo médio ponderado de capital, relacionado aos investimentos necessários para a realização do projeto de expansão de gasodutos. De acordo com o artigo 9º, inciso III, da Resolução ANP nº 27/2005, “o regulamento do CPAC observará os princípios da transparência, da isonomia e da publicidade e disporá sobre metodologia de cálculo da tarifa de transporte, incluindo o custo médio ponderado de capital”.

No que concerne a esta variável, destaca-se a importância da taxa de retorno a ela associada na determinação das tarifas de transporte, as quais devem ser fixadas em um patamar tal que incentive os investimentos em infra-estrutura e, paralelamente, iniba a obtenção de ganhos excessivos por parte do transportador, de maneira a salvaguardar-se o bem-estar do consumidor.

Assim, em mercados regulados, como o gasífero, o desafio do órgão regulador é aprovar tarifas baseadas em taxas de retorno justas e razoáveis, de forma a se garantir que o transportador monopolista aufira retornos análogos àqueles obtidos por agentes atuantes em mercados competitivos, expostos a níveis de risco similares. Ao mesmo tempo, deve-se assegurar, conforme mencionado acima, a proteção dos interesses dos consumidores quanto ao preço e à qualidade dos serviços prestados.

3 A Carta Convite contém uma série de informações especificadas no item 1.3.1. do Regulamento elaborado pela TBG.

Para tanto, tais taxas de retorno devem ser iguais ao custo de oportunidade do investimento em projetos de riscos equivalentes, uma vez que, caso superiores a este parâmetro, observar-se-á a transferência de rendas de monopólio dos usuários ao transportador.

Em contraposição, taxas muito reduzidas não apenas podem comprometer a qualidade do serviço prestado, como desestimular a realização de investimentos em infra-estrutura de transporte dutoviário, optando o investidor, nesta hipótese, por aplicar seus recursos em outras atividades que proporcionem (i) o mesmo retorno, porém a níveis de risco menores; ou (ii) retornos superiores a um mesmo risco.

Convém salientar, ainda, que embora, no mês de maio de 2006, a ANP — baseada em orientação do governo brasileiro — tenha cancelado o CPAC da TBG devido à promulgação do Decreto Supremo nº 28.701/064, manteve-se a necessidade de se estabelecer uma metodologia de cálculo do custo médio ponderado de capital aplicável à atividade de transporte de gás natural no Brasil, uma vez que, conforme preceituado pela Resolução ANP nº 27/2005, caso houvesse interesse de qualquer carregador, um novo CPAC poderia ser iniciado.

Corrobora o acima exposto o fato de, em 18 de outubro de 2006, a empresa Petróleo Brasileiro S.A. (PETROBRAS) ter encaminhado, à ANP, ofício mediante o qual informou que, em virtude da premência de implementação de seu Plano de Antecipação de Produção de Gás Natural (PLANGÁS), necessitava adquirir capacidade de transporte de gás natural, na modalidade firme, consoante as regras constantes da Resolução ANP nº 27/2005, nas seguintes instalações da Transportadora do Nordeste e Sudeste S.A. (TNS):

(i) Gasoduto Caraguatatuba-Taubaté ⇒ 20,00 milhões m3/dia;

(ii) Gasoduto Paulínia-Jacutinga ⇒ 1,12 milhão m3/dia;

(iii) Gasoduto Japeri-REDUC ⇒ 20,00 milhões m3/dia;

(iv) Gasoduto GASBEL II ⇒ 4,82 milhões m3/dia;

(v) Gasoduto GASDUC III ⇒ 30,5 milhões m3/dia; e

(vi) Gasoduto GASPAL II e GASAN II ⇒ 8,5 milhões m3/dia.

4 O Decreto Supremo nº 28.701, promulgado em 01 de maio de 2006, determinou, com fulcro no Referendo de 18 de julho de 2004 e nos preceitos constitucionais bolivianos, a nacionalização dos hidrocarbonetos daquele país, recuperando o Estado a propriedade, a posse e o controle total e absoluto destes recursos. Este ato normativo gerou incertezas quanto aos investimentos das empresas estrangeiras no país, bem como preocupações acerca de eventuais impactos sobre o fornecimento de gás natural para o mercado brasileiro, sobretudo em relação ao preço deste combustível.

Para maiores detalhes a respeito deste Decreto e de seus efeitos sobre o setor gasífero nacional, recomenda-se a leitura da Nota Técnica nº 012/2006-SCM, de 11 de maio de 2006, intitulada “Considerações da SCM/ANP acerca do Decreto Supremo nº 28.701 Editado pela Bolívia em 01 de Maio de 2006”, a qual se encontra disponível no portal eletrônico da ANP (http://www.anp.gov.br/doc/gas/Nota_12_2006.pdf).

Em virtude da mencionada necessidade da PETROBRAS, a ANP remeteu, em 20 de outubro de 2006, ofício à TNS para que a transportadora encetasse o seu CPAC, encaminhando, para tal, o Regulamento atinente ao processo, com a maior brevidade possível.

Posto isto, e à luz da relevância do custo de capital na determinação da tarifa de transporte de gás natural, este trabalho objetiva apresentar o modelo mais adequado para a sua estimativa, a saber, a metodologia de cálculo do custo médio ponderado de capital (Weight Average Cost of Capital — WACC).

Para tanto, dividiu-se a presente Nota Técnica em quatro seções, além desta Contextualização e das Considerações Finais. A seção II expõe as premissas a serem consideradas na eleição do modelo a ser utilizado na estimativa do custo de capital próprio, o qual integra a fórmula do WACC. Em seguida, na seção III, procede-se à descrição e à análise crítica dos modelos eleitos para o cálculo da mencionada variável. A seção IV, por seu turno, abarca discussão acerca da estrutura de capital a ser usada no cálculo do custo médio ponderado de capital. Por fim, na seção V, apresenta-se um exercício para ilustrar a aplicação dos modelos contemplados de antemão.

Artigo completo em PDF: https://eduardoquiza.files.wordpress.com/2009/08/wacc-anp.pdf

--

--